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Cinema em crítica

Quem ou O Que são os monstros?

Assassinos e criaturas malignas do cinema podem esconder diferentes significados

Luis EmanuelCalixto

Alerta de spoilers:

 

Não! Não Olhe! (2022); Corra! (2017); It a Coisa (1985); Candyman (1995)  

 

           Em Não! Não Olhe! (2022), do diretor Jordan Peele, os personagens encaram o que primeiro pensam ser um objeto voador não identificado, mais conhecido como óvni, que veio para abduzir a população, e muitos cavalos.

           Na metade do filme, descobrimos se trata de um ser vivo, Jean Jacket, nome dado à criatura. A forma de um óvni engana, mas uma espécie de buraco na parte inferior do monstro agora entende-se como sendo sua boca e as abduções, nada mais nada menos que sua forma de se alimentar.

           O protagonista, OJ Haywood, é um treinador de cavalos quieto e observador interpretado por Daniel Kaluuya, com quem Peele já trabalhou em Corra! (2017), seu longa de estreia. Após a morte de seu pai, OJ e a irmã Emerald (Kekee Palmer) passam a cuidar do rancho da família. Quando a eletricidade falha e os animais agem de maneira estranha, é um sinal de que Jean Jacket está por perto sobrevoando e se escondendo nas nuvens.

           No rancho ao lado, Rick “Jupe” Park (Steven Yeun), dono de um parque de atrações temático do velho oeste que passou por uma experiência traumática como ator-mirim na infância, sabe da existência do monstro há mais tempo. O proprietário começou a comprar os cavalos dos Haywood e usá-los de isca num show privado, no qual atrai a criatura em frente a uma arquibancada de pessoas. Eventualmente, tudo vai pelos ares, literalmente. Jean Jacket se estressa e devora não apenas Jupe e sua família, mas todos os que estavam na plateia.

            Ao longo do filme, OJ percebe que a criatura apenas ataca quem olha diretamente para ela, o que dificulta para todos que se fascinam pela ideia do monstro, o que essas pessoas querem é olhar para ele.

            Muitos críticos e outros artistas apontam que Não! Não Olhe! é uma alegoria à sociedade do espetáculo. Os mesmos argumentam que “Jupe” decide fazer de Jean Jacket o que o pai de OJ e Emerald fazia com os cavalos que treinava para serem usados em filmes de Hollywood, uma atração para se lucrar, algo que atraísse olhares e fisgasse a atenção do público. Os próprios irmãos tentam, durante o filme inteiro, registrar a criatura para que possam vender as imagens para emissoras de TV e então serem chamados, eventualmente, para o programa da Oprah.

            Peele é conhecido por criar histórias de horror com premissas cativantes que englobam diferentes aspectos da experiência de ser uma pessoa negra nos Estados Unidos da América. Em Corra!, uma comunidade secreta de pessoas brancas e ricas leiloa negros para, num processo cirúrgico a la Doutor Frankestein, ter seus cérebros colocados nos corpos deles. Eles não se veem como racistas, porque adoram os corpos negros e suas “capacidades”, enquanto nós, a audiência, percebemos que eles apenas enxergam estas pessoas como cápsulas vazias.

            O motivo que escolhi Não! Não Olhe, entre todos os possíveis filmes de horror, é porque se trata de um exemplo recente de “filme de monstro”, na falta de um termo melhor. Ao longo da história do cinema, estrelas têm enfrentando as mais diversas criaturas, desde tubarões assassinos até alienígenas que se disfarçam de humanos. Mas, afinal, aonde quero chegar com tudo isso?

            Recentemente, assisti a um vídeo no canal do YouTube, OraThiago, produzido por Thiago Guimarães, que aborda possíveis significados da trama de Gremlins, de 1984, dirigido por Chris Columbus. Quanto à análise dele, o que mais ficou comigo foi a seguinte afirmação:

            “O monstro nunca é só um monstro. Quase sempre ele é alguém, uma pessoa ou um grupo de pessoas que não são vistas como pessoas.  Isso não necessariamente significa que existe intenção nessas representações. Às vezes existe e às vezes é apenas o cinema, a arte, de uma forma geral, replicando o imaginário de um tempo ou a ideologia dominante”, afirma Thiago Guimarães, no vídeo Um filme de Natal com um segredo sombrio.

             No romance IT a Coisa, de 1985, escrito por Stephen King, um grupo de crianças chamado de “Clube dos Perdedores” é aterrorizado pelo palhaço assassino, Pennywise, que é capaz de se transformar nos seus maiores medos. No livro, para aterrorizar Eddie, um menino asmático e hipocondríaco por influência da mãe, a Coisa adota a forma de um Leproso. À primeira vista, isto seria por conta do medo do garoto de ficar doente, mas diversos fãs da obra, eu incluso, nestes quase 40 anos desde seu lançamento, discutem a possibilidade de que isso represente a homossexualidade reprimida de Eddie. Na época em que o livro foi lançado, a epidemia de AIDS era assunto global e ainda muito se acreditava de que a forma de se contrair o vírus era por sexo entre pessoas do mesmo gênero. Dessa forma, há uma leitura de que Eddie pensasse nos seus sentimentos por outros garotos como algo perigoso e que a figura do Leproso estava lá para assombrá-lo por conta disso.

             No clássico cult, Candyman (1992), de Bernard Rose, a trama acompanha Helen Lyle (Virginia Madsen), estudante universitária que desenvolve uma pesquisa sobre o folclore moderno, quando ela descobre o mito de Candyman (Tony Todd), um assassino em série preto com um gancho no lugar da mão direita, que surge quando uma pessoa diz o nome dele cinco vezes em voz alta para um espelho.

             Helen vai até o lugar de origem do mito, em prédios de habitação em péssimas condições, com toda a comunidade feita de pessoas negras, pesquisar sua origem e características. A origem de Candyman retrata-o como um escravo que se apaixonou por uma mulher branca da alta classe e foi punido por isso, perdendo a mão direita e sendo jogado nu, coberto de mel, em colmeias de abelhas. O motivo pelo qual ele aterroriza a protagonista é porque, com sua pesquisa, ela “comprova” a ideia de ele ser um mito, fazendo com que as pessoas percam a fé nele, o que leva ao antagonista buscar pelo medo da população novamente.

              O filme peca quanto à sua representação de diferentes realidades raciais, por conta da protagonista, uma mulher branca, assumir uma história que não a pertence, assim como certos pontos do roteiro que a colocam como uma salvadora branca.

              De qualquer forma, a obra é ótima, abrindo espaço para diferentes leituras da trama ou apenas para entretenimento. Mesmo com certos tropeços, o filme é capaz de levantar pautas sobre a apropriação cultural ou a realidade de pessoas marginalizadas sobre o olhar de fora.

             Quando paramos para analisar um filme, conhecer mais sobre o lugar onde foi produzido o tempo durante o qual foi produzido, somos capazes de reconhecer diferentes camadas e assuntos que estavam lá o tempo todo. De certa forma, todo filme é político, não por questões partidárias, mas porque a arte também é racionalização, é intelectual, fruto de uma mente pensante que traduz emoções e questionamentos numa história, através de milhares de micro e macro escolhas. A arte do cinema pode, sim, ser sentida, no entanto, ainda expressa a opinião e a moral do autor, mesmo que de forma não intencional. No entanto, não é obrigatório que toda vez que você assista a um filme, você o destrinche e o analise, pois estes ainda são uma fábrica de emoções e podem ser aproveitados como entretenimento.

Obras mencionadas:

 

Nope ou Não! Não Olhe! (2022), dirigido por Jordan Peele.

Candyman ou O Mistério de Candyman (1992), dirigido por Bernard Rose.

Get Out ou Corra! (2017), dirigido por Jordan Peele.

It ou It, a Coisa (2017), dirigido por Andy Muschietti.

Gremlins (1984), dirigido por Chris Colombus.

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