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Quando o perfeccionismo se torna uma prisão

Ana Gabriela Alves

A angústia de quem convive com o Transtorno de Personalidade Obsessivo-Compulsiva.

            A vida é um constante exercício de adaptação. É um desafio diário superar obstáculos e se reinventar para encontrar seu lugar em um mundo cada vez mais exigente, seja no trabalho ou nos relacionamentos. Mas, para aqueles que convivem com o Transtorno de Personalidade Obsessivo-Compulsiva (TPOC), essa jornada se torna ainda mais complexa, pois a busca incansável pela perfeição se choca frontalmente com a realidade imperfeita da vida.

            Esse é o caso de Nina Sayers (Natalie Portman), personagem principal do filme Cisne Negro (2010). A personagem faz parte de uma renomada academia de dança bastante tradicional no meio artístico. Todos os anos, a companhia apresenta o espetáculo “O Lago dos Cisnes” e, naquela edição, Nina foi escalada para interpretar a Cisne Branco. Além dela, sua irmã gêmea “do mal”, a Cisne Negro. Já totalmente dominada pelo TPOC, a bailarina (que anteriormente já vivia na ideia fixa de nunca poder cometer um erro que fosse) se viu cada vez mais afundada em um mundo de paranoias e angústias por não conseguir chegar no nível de qualidade exigido para a antagonista, apesar de executar com perfeição o papel da protagonista. 

            O TPOC é caracterizado por uma rigidez de pensamento que gera comportamentos inflexíveis e dificuldades em lidar com o inesperado. Essa obsessão por controle e perfeição acaba causando angústia e tristeza profunda no portador do transtorno. "As pessoas com TPOC tendem a ser extremamente críticas e perfeccionistas, o que as torna incapazes de aceitar falhas", explica a psicóloga Patricia Matias. Segundo a especialista, esse padrão rígido e controlador pode desencadear crises de ansiedade, especialmente quando a realidade foge do controle que tanto tentam manter.

            Na vida profissional, o impacto é visível. Esses indivíduos se esforçam para entregar resultados impecáveis mas, paradoxalmente, acabam atrasando ou até paralisando projetos, incapazes de aceitar que o "perfeito" muitas vezes é inatingível. "O perfeccionismo excessivo pode prejudicar tanto a produtividade quanto os relacionamentos no ambiente de trabalho", destaca Patricia. Segundo a psicóloga, em um mundo que valoriza cada vez mais a flexibilidade e a criatividade, essas qualidades se tornam difíceis de cultivar para quem está preso em uma constante busca por um ideal inatingível.

             A psiquiatra Fernanda Cestaro ressalta que, além do sofrimento pessoal, a convivência com pessoas que têm TPOC também pode ser desgastante. "Quando as características de uma personalidade estão adoecidas, causam sofrimento não apenas ao indivíduo, mas também às pessoas ao seu redor", explica. Relacionamentos familiares e afetivos acabam abalados, uma vez que o outro se vê pressionado a seguir padrões irrealistas. Esse ciclo de controle e críticas incessantes pode levar ao distanciamento emocional e a rupturas.

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Patricia Matias também comenta que pessoas com TPOC costumam ficar isoladas ao longo do tempo. Foto: Arquivo pessoal

As consequências a longo prazo

            Outro ponto de destaque é o impacto na autoestima. A altíssima expectativa de perfeição gera frustração contínua. As pessoas com TPOC raramente se sentem satisfeitas com suas conquistas, o que pode evoluir para quadros de depressão e ansiedade. "Elas podem chegar ao ponto de se autoagredirem emocional ou fisicamente por não conseguirem atingir o nível de perfeição que elas mesmas estabeleceram", comenta Patrícia.

            Além da ansiedade e depressão, que costumam coexistir com o TPOC, há casos mais severos em que outros transtornos mentais também podem surgir. Patrícia explica que, em situações extremas, o transtorno pode desenvolver em seu portador a esquizofrenia paranoide, o tipo mais comum de esquizofrenia. "A pessoa fica tão obcecada com o alcance da perfeição que pode desenvolver delírios, ideias de perseguição, alucinações auditivas e visuais", destaca. Nesses casos, o quadro é grave e exige intervenção medicamentosa imediata para evitar complicações ainda maiores.

            Esse nível extremo de perturbação mental é o qual Nina se enquadra. Durante o filme, a bailarina começa a enxergar perseguições inexistentes por parte de colegas, da mãe e de diversas outras pessoas que, por muitas vezes, queriam seu bem e, em algum momento, chamaram a atenção da artista para o autocuidado. Além da paranoia, no decorrer da trama, Nina chegou a ter alucinações visuais e auditivas, ao ponto de praticar automutilação, pois acreditava estar machucando outra pessoa, na tentativa de se proteger.

            A dificuldade de aceitar erros e imperfeições pode se estender a todas as esferas da vida. Momentos que deveriam ser de descanso, como lazer e tempo em família, acabam invadidos pela necessidade de controlar e planejar, tornando-se fontes adicionais de estresse. "É como se o indivíduo vivesse em função de atingir metas impossíveis, sem conseguir relaxar ou desfrutar das conquistas", observa a psiquiatra Fernanda.

            O tratamento para o TPOC é longo e exige comprometimento. Psicoterapia e, em alguns casos, medicamentos, como antidepressivos, são recomendados para ajudar a controlar os pensamentos disfuncionais. "É crucial que o paciente entenda seu quadro e esteja disposto a enfrentar as mudanças de comportamento necessárias", explica a psiquiatra. Além disso, ela salienta que o tratamento envolve muito mais do que simplesmente "tomar um remédio".

             Com o acompanhamento adequado, é possível que o indivíduo com TPOC aprenda a flexibilizar seus padrões e aceitar que errar faz parte da natureza humana. Tratamentos como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) são fundamentais nesse processo de reestruturação cognitiva. Segundo Patrícia, a exposição controlada ao erro e a aceitação das imperfeições são práticas que ajudam o paciente a lidar melhor com o cotidiano.

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